C-19 e a Morte do Estado de Segurança
João da Silveira
31/3/2020
Ontem eu lhe disse que, além de novos conhecimentos médicos, muita coisa boa pode vir da pandemia do Covid-19. Na área política, estamos vendo, por exemplo, o arrefecimento do Império, ou seja, o arrefecimento momentâneo de suas agressões pelo mundo a fora.
Hoje, Jefferson Morley anuncia no site AlterNet que a morte do Estado de Segurança Nacional nos Estados Unidos poderá vir da pandemia do Covid-19, ainda que tal morte não venha naturalmente nem facilmente.
O Estado de Segurança é, de fato, um estado de espírito e os usamericanos não serão capazes de o extruir sozinhos. A instauração desse estado de espírito em USAmérica ocorreu com a morte de Franklin Delano Roosevelt (forte liderança) e a ascensão do vice-presidente Harry Truman (fraca liderança) à presidência dos Estados Unidos. São 75 anos os de sua prevalência por lá. No Brasil, o Estado de Segurança Nacional vigorou de 1964 a 1985, por 21 anos, e os brasileiros podem opinar nesse assunto com propriedade.
Grandes povos resistiram ao Estado de Segurança desde sua ascensão: os russos, os chineses, os indianos, os coreanos, os vietnamitas. Outros povos resistiram também, em escala menor, entre eles, iranianos, cubanos, sírios. Resistiram e foram consistentemente atacados como inimigos a aniquilar.
Dois presidentes usamericanos tentaram resistir. Aliás a tendência instintiva dos presidentes, dada a natureza subjetiva do seu poder vis-à-vis a natureza deletéria do Estado de Segurança, parece ser mesmo a de resistir. O primeiro foi Dwight D. Eisenhower, que em seu último discurso como presidente denunciou a formação do complexo industrial-militar como ameaça às liberdades democráticas. O segundo foi John Kennedy, assassinado por um golpe de estado em 1963. (Vide Bob Dylan, para recente versão, pop e hamletiana, do episódio).
Recentemente, Barack Obama e Donald Trump falaram em “reset” e em “draining the swamp”, respectivamente, nas suas campanhas eleitorais. Uma vez eleitos, se sucumbiram ao Estado de Segurança. O fracasso desses governantes mostra a necessidade de cooperação internacional para a extruição do Estado de Segurança da cabeça usamericana. Russos, chineses, iranianos, sírios, cubanos e venezuelanos têm contribuido nessa batalha nas últimas décadas.
Alguns governantes brasileiros também tentaram resistir: Juscelino Kubitscheck, Jânio Quadros, Ernesto Geisel e Luiz Inácio Lula da Silva. Os brasileiros podem desempenhar, se quiserem, papel destacado nessa empreitada, i.e., se ousarem agir com tal propósito, i.e., o propósito de aniquilar o Estado de Segurança Nacional nos Estados Unidos. Não se deve esquecer, todavia, que a ordem usamericana sempre joga estrategicamente com o Brasil, neste hemisfério. Neste hemisfério sim, mas é preciso pensar globalmente: a questão é sobre ordem unipolar e ordem multipolar.
De repente então surge, nesse marasmo, o Covid-19, o cisne negro da crise tão esperada e tantas vezes postergada do capitalismo financeiro. Com a crise, amplas oportunidades afinal se apresentam para que os usamericanos, ajudados por outros povos, extruam o Estado de Segurança ou deep state de suas cabeças. Mas será Trump capaz de drenar o pântano, de desidratar o deep state? Essa pergunta tinha grande sentido em 2016 e 2017. Hoje já temos a resposta: Trump não foi capaz de desidratar o Deep State e nunca será capaz. Tal extrusão pode levar à consagração pelo mundo da ordem multipolar, contra o flagelo da ordem unipolar usamericana de terror e guerras.
Para os brasileiros darem sua contribuição nesse sentido, o caminho mais claro que se vê atualmente está em articular consistentemente sua política externa no eixo dos BRICS. Está também em chamar o povo usamericano para vir junto e fazer dos BRICS um BRICUS. Nas duas últimas semanas, falou-se bastante no impeachment de Jair Bolsonaro. Isso é normal, vez que os políticos brasileiros vivem de imitar os políticos usamericanos e lá também se falou muito, nos últimos três anos, no impeachment de Donald Trump. Tal impeachment ajudará sem dúvida na mudança do eixo da política externa brasileira, mas não é precondição necessária. O próprio presidente Jair Bolsonaro poderia promover a mudança e rejuvenescer sua presidência, agora como brasileiro feito e sem chorar. A questão é: será o Trump dos Trópicos capaz disso? Jair, infelizmente, não mostra ter desenvoltura para isso. Infelizmente, infelizmente, infelizmente…